Quando o telefone tocou nos escritórios da Tepco (Tokyo Electric Power Company), no dia 4 de Julho de 2000, os dirigentes da empresa nem imaginavam o que estava para acontecer. Do outro lado da linha, um responsável do então Ministério do Comércio Internacional e Indústria do Japão solicitava informações sobre problemas encontrados numa inspecção de rotina ao reactor 1 da central de Fukushima-Daiichi, a mesma que agora está no centro da crise nuclear do Japão.
O pedido foi formalizado por carta cinco meses depois, em Dezembro. E, nessa altura, o Governo queria que a Tepco verificasse também denúncias de irregularidades feitas por um técnico da General Electric (GE).
Tanto a Tepco como o Governo iniciaram inquéritos. No final de Agosto de 2002, a agência japonesa de segurança nuclear concluiu que, desde os anos 1980, havia uma prática sistemática de ocultar problemas detectados nas inspecções à central de Fukushima - incluindo fissuras nas estruturas dos reactores. Os problemas, segundo o Governo, não punham directamente em causa a segurança da central. Mas a falsificação dos documentos e a ocultação de dados eram suficientemente graves.
A Tepco admitiu tudo e desculpou-se publicamente, apenas para descobrir, um mês mais tarde, mais oito casos de omissão de informação sobre problemas nos tubos de circulação primária da central de Fukushima.
Os efeitos para a Tepco foram arrasadores. Dias depois da divulgação do resultado do inquérito, a empresa anunciou a demissão dos seus dirigentes de topo, incluindo o seu chairman e o seu presidente. Outros 35 directores, superintendentes e técnicos foram afastados dos seus cargos ou sofreram cortes nos salários.
Todos os 17 reactores nucleares da Tepco - não apenas os seis de Fkushima-Daiichi - foram encerrados para inspecções de segurança, que se estenderam até Abril de 2003. Cerca de 3000 residentes à volta de Fukushima processaram a empresa, por ter mentido.
Os problemas da Tepco não ficaram por aí. Em 2006, a empresa encontrou dados falsificados sobre a temperatura da água de refrigeração de Fukushima-Daiichi em 1985 e 1988. E em 2007, um sismo de magnitude 6,8 provocou um incêndio noutra central nuclear - Kashiwazaki Kariwa, a maior do mundo. Embora o acidente não tenha tido grandes consequências, o Governo admitiu que não tinha avaliado bem o risco sísmico antes da aprovar a construção da central, confiando em dados da própria Tepco, de 1970 - segundo a agência noticiosa Bloomberg.
Tecnologia em causa
As explosões e as fugas radioactivas de agora em Fukushima são mais um episódio a somar no histórico da Tepco - uma das maiores empresas mundiais do sector eléctrico. A causa foi externa e brutal: um sismo de magnitude 9,0 e um avassalador tsunami. Mas a própria tecnologia utilizada nos reactores de Fukushima é agora colocada em xeque.
Os reactores da central foram construídos pela GE, que os desenvolveu na década de 1960. Documentos citados ontem pelo New York Times reveleam que, nas décadas de 1970 e 1980, membros da agência regulatória da energia atómica nos Estados Unidos manifestaram preocupação quanto ao equipamento da GE, alegando maior risco de provocar explosões em caso de sobreaquecimento do combustível nuclear.
Um porta-voz da GE citado pelo New York Times disse que a tecnologia tem "um registo de mais de 40 anos de segurança e fiabilidade".
Independentemente da sua responsabilidade, a Tepco já está a enfrentar os efeitos dos problemas agora verificados em Fukushima. Em dois dias, as acções da empresa caíram 42 por cento. A empresa não está livre de pagar indemnizações pelos efeitos do acidente. E o próprio primeiro-ministro japonês, Naoto Kan, está furioso por não ter sido informado, durante uma hora, do que se passava na central, depois da explosão hoje do reactor 2.
Inaugurados entre 1970 e 1979, os reactores de Fukushima estão entre as 174 unidades atómicas com mais de 30 anos que existem no mundo. Muitas empresas querem prolongar a vida útil das suas centrais. Neste caso, é o ponto final.
Fonte Reuters
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